LENDAS E CRENDICES SOBRE OS RÉPTEIS E ANFÍBIOS
Apresento aqui algumas lendas e crendices que ouvi de várias pessoas em várias regiões do Brasil sobre os répteis e anfíbios, sendo a maioria delas sobre cobras.
Cobras que andam somente de casal: Varia a espécie de região para região, na Amazônia é a Surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta) e no Sudeste a Urutu-cruzeiro (Rhinocerophis alternatus) ou a Jararacuçu (Bothrops jararacussu). Diz a lenda que essas cobras só andam em casal. Quando pergunto para os que me contam se eles encontraram o casal junto, eles respondem que não, que mataram uma e em outro dia ou semana mataram a outra próxima ao local da anterior.
Sucuri
que engole boi e a de
Sucuri
Grande cobra que vive debaixo da cidade: Essa lenda existe em várias cidades pelo Brasil, desde o sul até a Amazônia. Uma grande cobra esta dormindo debaixo da cidade, com a cauda debaixo da igreja e a cabeça no lago ou no rio. Um dia ela irá acordar e irá fazer tremer a terra.
Sucuri e Jibóia que hipnotizam: Essas lendas que cobras hipnotizam podem ter tido origem com a observação desses animais pelas pessoas, mas que com a visão antropocêntrica tiraram conclusões erradas a respeito de uma provável cena: Imagine uma Jibóia (Boa constrictor) caçando de espera, camuflada em meio a um chão repleto de folhas secas, e um pássaro se aproxima incauto, sem perceber a serpente, e vai cada vez se aproximando mais, até que fique na distância que ela pode abocanhá-lo com um bote e, o pássaro é capturado por ela. Aqui um caboclo pode concluir que a Jibóia hipnotizou o passarinho. Se Sucuri hipnotizasse, imagine o trabalho que os funcionários do Butantan teriam para remover os visitantes colados no vidro do cativeiro onde tem algumas vivas. A lenda prossegue dizendo que para “desencantar” a vítima que pode estar caminhando hipnotizada pela Sucuri que o aguarda nas margens do rio, é necessário colocar uma faca na boca da pessoa. E quando a Sucuri enrola em alguém, basta passar uma faca ou canivete em direção contrária as escamas ventrais que ela solta a vítima.
Jibóia
O café com lagartixa que matou os quatro netinhos: Diz a lenda (Essa eu ouço desde criança no interior de SP!), que uma Avó vai coar um café (ou chá, as lendas apresentam variações!) e daí cai no coador uma Lagartixa-de-parede (Hemidactylus mabouia) ou uma aranha. Após servir a bebida, um a um as crianças vão caindo mortas. Essa lenda urbana está tão enraizada na mente de algumas pessoas, que uma aluna chegou a discutir comigo dizendo que era verdade, que ela quando criança era vizinha delas no interior de Minas Gerais.
Lagartixa-da-parede
Cobra da mangueira: Essa lenda urbana conta sobre uma criança que ao beber água numa mangueira engole uma cobrinha (Jararaquinha) e a mesma pica ele dentro do estômago, matando-o.
Coral na verdura de um supermercado ou na piscina de bolinhas no shopping: Uma criança no carrinho de compra fica reclamando para a Mãe que esta levando uns choques e quando ela vai verificar, encontra uma Coral-verdadeira (Micrurus sp.) entre as folhas de uma verdura (alface, repolho) que deu várias mordidas em seu filho. A outra lenda urbana é da criança que brincando na piscina de bolinhas de um local (geralmente shopping) é também picado ou mordido por uma cobra.
Coral-verdadeira
Cobra que deixa o veneno na folha para atravessar um rio: Essa diz que as cobras venenosas deixam o veneno em uma folha para poderem atravessar um rio, pois se não podem se envenenar e morrerem. Ao voltarem pegam o veneno de volta na folha.
A vítima de acidente ofídico não pode atravessar riachos: Segundo essa crença (ouvi no interior de SP), a pessoa picada de cobra não pode atravessar um córrego senão o veneno a mata na hora.
A cobra que mama: Essa lenda diz que a Caninana (Spilotes pullatus) mamaria na mulher lactante e durante isso colocaria a ponta da cauda na boca do bebê para este não chorar. Nem a morfologia da boca e nem sua fisiologia (enzimas necessárias para degradar o leite) estariam adaptadas para isso. A origem dessa lenda pode estar associada ao fato de pessoas que ordenham vacas encontrarem algumas serpentes pela manhã nos currais que provavelmente estavam lá a procura de roedores e a pessoa associa com o leite.
Caninana
Mulher grávida não pode ver cobras: Essa eu ouvi em Rondônia que mulheres gestantes não podem ver cobras, ou senão sua criança nunca irá conseguir gatinhar, apenas rastejar como uma serpente.
Cobra-voadora: Não se trata de uma serpente e sim de um inseto (Fulgora laternaria) da Ordem Homoptera (ou Hemiptera-Homoptera), conhecido também popularmente como Jequitiranabóia ou Tiranabóia. Esse inseto é inofensivo e alimenta-se de seiva das árvores. A crendice popular diz que esse animal é venenoso e pode picar e matar as pessoas, inclusive matar árvores. A estrutura da cabeça da Jequitiranabóia assemelha-se ao de uma cobra tipo a Jibóia, o que funciona como mecanismo de defesa e se isso assusta até a espécie humana, imagina o sucesso com os outros animais.
Jequitiranabóia
Curado de cobra: Algumas pessoas, principalmente das regiões Nordeste e Norte, acreditam que sejam “curadas” e dizem já terem sido mordidas várias vezes por cobras venenosas e que não tomaram soro anti-ofídico e nem apresentaram problemas. Uma vez em uma exposição de cobras em Londrina (PR) encontrei uma dessas pessoas curadas de cobra e então perguntei se ela poderia ser picada por uma Cascavel (Crotalus durissus) e ela disse que não, que ele teria que estar caminhando sem ver o animal.
Benzedor de cobras: Essa lenda eu ouvi nos estados do Mato Grosso do Sul e em São Paulo, onde tem pessoas que podem através de uma reza “limpar” o pasto das cobras, onde estejam morrendo muito gado picado de cobra. Ao benzer a propriedade, o benzedor pergunta para o fazendeiro se ele deseja que as cobras sejam mandadas para o banhado ou então para a fazenda vizinha, caso tenha alguma desavença com o vizinho.
Pedra preta ou Bezoar: Trata-se um material de cor escura (encontrada no estômago de ruminantes), que a pessoa colocaria sobre o local da picada e essa “pedra” sugaria o veneno, revertendo assim o envenenamento. Ouvi pessoas contando isso nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste.
Caninana que corre na ponta do rabo e dando chicotadas: Essa lenda diz sobre algumas cobras Caninanas (Spilotes pullatus ou a Drymarchon corais) que correriam sobre a ponta da cauda e dando chicotadas com a cauda perseguindo a pessoa. Na Amazônia as pessoas também atribuem isso para as Cobras-cipós de maiores diâmetros do corpo (Chironius fuscus e C. scurrulus) e as chamam de Surucucu-facão (Rio Juruá - Acre) e Surradeira (Rio Purus – Amazonas). O interessante é que as “vítimas” que relatam isso, realmente acreditam que isso tenha acontecido. O que pode ser é que algumas dessas cobras podem correr na direção da pessoa e esta devido ao medo foge se machucando ao tropeçar e se esbarrando por entre galhos e espinhos da floresta.
Coral hipnotiza: Essa crença eu ouvi no interior de São Paulo e do Paraná, onde as pessoas dizem que a Coral hipnotiza e a pessoa vê tudo colorido e desmaia. Em meio a uma palestra em Londrina para alunos do Ensino Médio a professora deles me relata que isso tinha ocorrido com ela.
Cascavel e o guizo: Essa crendice tem por todo o Brasil que diz que cada anel do guizo ou chocalho corresponde a um ano de vida da Cascavel, o que na realidade corresponde ao número de vezes que a cobra trocou de pele (muda) e muitos anéis também acabam se perdendo ao longo da vida do animal.
Cobra enterrada viva: Isso me foi relatado em vários lugares do Brasil, onde a pessoa conta que enterrou uma cobra viva e depois de anos escavou o local e ela saiu viva. Você “pega” a pessoa pela mentira perguntando para ela porque que ela foi no lugar desenterrar o bicho?!
Urutu se não mata aleja: Isso é o que falam a respeito da Urutu-cruzeiro ou Cruzeira (Rhinocerophis alternatus) que ela seria muito mais venenosa do que as outras. Apesar da variação, o efeito do veneno praticamente é bem parecido com o das outras serpentes responsáveis pelos acidentes botrópicos (Bothropoides e Bothrops) que ocorrem nas mesmas regiões em que ela ocorre e requer o mesmo tipo de soro (Anti-botrópico) para tratamento. Esse medo acentuado possivelmente se deve ao desenho em forma de cruz no dorso da cabeça dessa serpente, de onde vem seu nome.
A Papagaia quando pica sai de lado pra ver tombo: Esse é um dito popular sobre a Papagaia ou Bico-de-papagaia (Bothriopsis bilineata) e também para outras espécies como a Coral-verdadeira (Micrurus spp.) e a Urutu (Rhinocerophis alternatus), as pessoas dizem “A Papagaia quando pica sai de lado pra ver o tombo e para a vítima não cair sobre ela”.
A Papagaia ou Bico-de-papagaio vai até a casa da vítima: Essa crendice (AC e RO), até um irmão de uma vítima me relatou que presenciou a cena. Diz a crendice que a Papagaia (Bothriopsis bilineata) após picar uma pessoa, pode ir até a casa dela e na sala ela canta como um galo (“Canta-galo”) e isso faz com que a vítima morra nesse momento.
Cobra mal morta que vinga: Se você machucar uma cobra e essa não morrer, ela poderá te perseguir ou te emboscar no futuro.
Espinho de cobra: Devem-se enterrar as cobras mortas, pois o espinho (costela) dela conteria veneno e se a pessoa pisar nele pode se envenenar.
Olho da jibóia para ter sorte no amor: Essa as pessoas contam no Acre, que se você tirar um olho da Jibóia (Boa constrictor) e soltá-la viva, deve depois guardá-lo para ter sorte nos romances.
Bafo da Jibóia e a baba da Sucuri: Diz essa crença que a Jibóia (Boa constrictor) pode soltar um bafo ou a Sucuri (Eunectes murinus) que podem babar em um recém-nascido ou então em uma pessoa e a mesma ficaria com manchas na pele (vertiligo).
Sucuriju
gigante que invadiu uma cidade: Uma
Sucuriju (Eunectes murinus) de
Sucuri
que engoliu um índio:
Trata-se de duas fotos antigas (desde criança já tinha visto) de uma Sucuri (Eunectes
murinus) grande (uns 4 ou
Sucuri que engoliu um dentista ou eletricista: Essa é uma lenda urbana baseada em imagens de pítons (espécies de grandes cobras da Ásia e África) mortas com pessoas sendo retiradas do estômago que circulam pela Internet e vez ou outra algum jornal de cidade pequena publica a estória de que uma pessoa (dentista ou eletricista) estava pescando na beira de um rio e foi atacada, morta e engolida por uma Sucuri (Eunectes murinus). Dá pra perceber claramente que não se trata da espécie Sucurí e sim de Pítons.
A Surucucu-pico-de-jaca tem um ferrão venenoso na ponta da cauda: Essa lenda é de que a Surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta) teria um ferrão venenoso na ponta da cauda e ela dá o bote e em logo seguida lança sua cauda pra tentar injetar o veneno também pelo ferrão. Essa lenda provavelmente se criou devido o fato da ponta da cauda da L. muta não apresentar escamas e ser lisa.
A Surucucu-pico-de-jaca é atraída por lamparinas ou por lanternas ou por fogueiras: Além das pessoas que vivem nas florestas na Amazônia, alguns historiadores também relataram que a Surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta) de noite é atraída e ataca o que estiver emitindo calor ou luz. Pelo menos em relação a lanternas, isso parece não ser verdadeiro baseado em minha experiência. Faltam observações sobre fogueiras e lamparinas (chamadas de porongas também), se o calor que elas emitem pode confundir o sistema termo-orientador dessa serpente e ou irritá-la.
Surucucu-pico-de-jaca
A Coral tem um ferrão na cauda: Também diz que a Coral-verdadeira (Micrurus) tem um ferrão com veneno na ponta da cauda. Isso pode ser porque geralmente elas apresentam cauda relativamente curta e grossa e o comportamento de enrodilhar a ponta como mecanismo de defesa para distrair o predador, dando a impressão de que a região posterior do corpo seja cabeça e caso o animal morda pode dar a impressão de que ela apresente uma forma (“ferrão”) de inocular veneno pela “cauda”.
Coral-verdadeira
A cobra que matou a mulher adúltera em um quarto de motel: Essa é uma lenda urbana, que provavelmente é uma versão da mulher adúltera que sai para trair o marido e resolve urinar no mato e ao agachar é picada por uma cobra. A lenda diz que uma mulher com o amante em um quarto de motel (ou de alguma pousada!) é picada por uma cobra (jararaca) e tinha um monte de filhotes (uma ninhada) dessa cobra no colchão e a mulher morre rapidamente. Aí o amante é alguma figura importante da sociedade e o caso é abafado.
Urinar na água atrai cobra: Essa crendice eu ouço desde criança no interior de São Paulo, e o mesmo vale se você tocar em ovos ou filhos de passarinhos no ninho, que poderá atrair cobras para predá-los.
Cobra atrai chumbo: Ao mirar na cabeça de uma cobra com uma arma de fogo, dificilmente se erra, pois ela atrai o chumbo do tiro pra ela.
Se colocar um dente de alho no bolso a cobra não vem te picar: Isso é verdadeiro, colocando ou não um dente de alho no bolso, nenhuma cobra venenosa irá vir nos picar, somos nós que caminhamos até elas.
Lagartos venenosos: No pantanal muitos acreditam que o lagarto aquático Víbora (Dracaena paraguaensis) seja venenoso, assim como também em alguns lugares a Lagartixa-da-parede (Hemidactylus mabouia). Não existem espécies de lagartos venenosos na América do Sul.
A prosa entre o Calango e a Cobra: Esse é apenas um conto entre a conversa de um Calango dizendo para uma Cobra venenosa que o que mata é o susto e não o veneno. Então para provar isso ele combina com uma cobra e ambos se escondem atrás de uma moita em um caminho esperando alguém passar. Então uma pessoa passa e a cobra dá um bote picando-a e rapidamente se esconde e o calango aparece e a pessoa pensa “um calango, não tem problema” e nada acontece com ela. Depois passa outra pessoa e o calango dá uma mordida na perna dela e se esconde e a cobra aparece, então a pessoa vê o animal e já começa a passar mal.
A luta entre o Teiú e a Cobra: Ouvi isso nos estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, que o lagarto Teiú (Tupinambis merianae) quando em luta com uma cobra e essa pica ele, ele vai até a raiz de uma árvore e a morde, neutralizando assim o veneno da serpente e daí retorna para brigar com ela.
O Calango-verde quando morde: Quando o Calango-verde (Ameiva ameiva) morde alguém, só solta depois de uma trovoada.
Calango-verde
Urina ou leite de sapo que cega: Uns dizem que a urina do sapo (Rhinella icterica, R. marina e R. schneideri) cega, na verdade o sapo pode urinar como mecanismo de defesa ao estar fugindo e a urina não causaria problemas “se” atingisse os olhos de alguém. O “leite” corresponde ao veneno contido nas glândulas paratóides, localizadas dorsalmente atrás dos olhos do animal. O sapo não vai conseguir projetar esse veneno em uma pessoa, o que pode acontecer é se essas glândulas forem comprimidas, o veneno pode ser lançado a uma curta distância. Sei de dois casos de crianças que estavam batendo em sapos e o veneno espirrou nos seus olhos, o que causou desconforto na visão e passou após lavarem os olhos.
Sapo
Sapo que persegue a pessoa: Já ouvi pessoas dizendo que um sapo entrou na sua casa e ficou pulando na direção dela e após terem matado o animal, o mesmo tinha o nome dela escrito em um papel.
O canto da Rãzinha (Physalaemus gracilis): No interior do Paraná, quando ouvem o canto dessa espécie, dizem que é o choro de uma criancinha que foi enterrada no brejo.
O Kambô e a Surucucu: No Acre, indígenas dizem que a Surucucu (Bothrops atrox) retira seu veneno do Kambô (Phyllomedusa bicolor) para ficar venenosa.
Kambô
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minha autoria (Paulo Sérgio Bernarde)
Pictures by Paulo Sérgio Bernarde
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